Os jangadeiros são, essencialmente, pescadores marítimos que habitam o Nordeste do Brasil, a faixa costeira situada entre o Ceará e o sul da Bahia, pescando com jangadas.
Apesar de a jangada ser utilizada pelos índios brasileiros (chamada peri-peri ou piperi), a embarcação que hoje conhecemos, utilizando vela e leme para a pesca em alto-mar, foi fruto de várias adaptações introduzidas pelos europeus e pelos africanos. Já no início do século XVI existem registos de que essas embarcações eram utilizadas para a pesca pelos escravos africanos na capitania de Pernambuco.
Os portugueses encontraram na Índia uma pequena balsa denominada Janga: três a quatro paus amarrados com fibras vegetais ou seguros por madeira em forma de grade. O nome era dravidiano, do tâmil, tâmul ou timul, popularizado pelos malaios. Nos seus escritos encontra-se Janga (Gonçalves Viana) ou mais propriamente Jangá (monsenhor Sebastião Rodolfo Delgado) e ainda Changgah e Xanga.
A Jangada (Changadam) é a Janga de maior porte, com cinco e seis paus roliços. Os portugueses encontraram a Jangada nas lutas pelo domínio nas Índias Orientais pois sendo leve, rápida e eficiente, trazia os guerreiros indianos que afrontavam as caravelas de Portugal. Vendo (na costa brasileira dessa altura) a Piperi ou a Igapeba indígenas, semelhantes à jangada oriental, passaram para elas o nome já familiar e registado nos clássicos quinhentistas.
Damião de Góis (1502-1574), na “Crônica do Rei dom Manuel”, escrita de 1558 a 1567, menciona várias vezes a Jangada dos mares da Índia em pleno teatro guerreiro:
"Chegada a frota que era cousa medonha de ver, as balsas de fogo guiadas pela corrente, e barcos de que as empuxavam com varas, foram cair sobelos mastros que estavam encadeados, e ancorados diante das caravelas, as quais pela distância não fez o fogo nenhum dano, mas antes em quanto ardeu tiveram os nossos algum repouso, por que os inimigos com medo dela não ousavam de se chegar mas como cessou todos los paraos, e outros navios, se começaram de chegar para a nossa jangada, tirando com a artilharia as caravelas, ao que os nossos lhe respondiam, arrombando alguns dos seus navios, em que lhes mataram muita gente". Damião de Góes, Crônica do rei dom Manuel, parte I, capítulo 91.
"A multidão dos inimigos era tanta que se embaraçavam uns com os outros, com tudo, a jangada dos vinte paros, que vinham encadeados, se adiantou de toda a frota chegando-se pera nossa caravela, e bateis, tirando muitas bombardadas, com que davam assas de trabalho aos nossos". Idem, parte I, capítulo 86.
"Mas havendo já bom pedaço, de uma e da outra parte servira a artilharia, de maneira que com o fumo, e fogo da pólvora se nam viam uns aos outros, mandou Duarte Pacheco tirar com um camelo que tinham nam descarregara, o que se fez em tam boa hora, que do segundo tiro desmanchou de todo a jangada, arrombando quatro paraos que logo se foram ao fundo". Idem.
Bastida foi um nome português da Jangada, possivelmente anterior ao conhecimento da verdadeira nas Índias Orientais. Foi verbete corrente nos velhos vocanulários e frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo recolheu-o no Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram na sua princeps de 1798-1799: "... mas também se deu o mesmo nome [Bastida] a uma balsa, ou jangada de muitos paus presos, e ligados entre si". (vol. I, p. 128, Lisboa, 1865)
A primeira acepção foi a construção improvisada na hora do naufrágio e assim frei João dos Santos, Etiópia Oriental, 2º, 128, escrevia em 1586: "Os terceiros se salvaram em uma jangada, que fizeram sobre os baixos da madeira da nau, e de tábuas de caixões". Mas no Brasil, um ano depois, já Gabriel Soares de Souza empregava o vocábulo ligado às igarapebas e piperis que via no mar e nos rios.
Da origem não há mais disputa e João Ribeiro fixou o assunto em linhas definitivas: "A jangada é de origem asiática. Na Índia os ingleses chamam-na jangar e o termo deriva da língua malaiala xangadam e mais remotamente do sânscrito sanghata, com o sentido de ligagem ou união de tábuas flutuantes ou de canoas ajougadas. Os portugueses que serviam na Índia e no Brasil para cá trouxeram o vocabulário, que correspondia perfeitamente à igarapeba dos tupis do norte, entre a Bahia e o Maranhão". Curiosidades verbais, 188.
No primeiro registo por mão europeia Pero Vaz de Caminha denomina-a Almadia em abril de 1500. Em 1557 Jean de Léry dava-lhe nome local de Piperi, boiando nas águas da Guanabara. Antes de 1570 Pero de Magalhães Gandavo indicava o título atual: vão pescar pela costa em jangada... . E esta jangada venceu a nomenclatura tupi do litoral.
Embarcação de fácil construção, a jangada não requer nenhuma tecnologia mais apurada. Feita de pau a pique, a madeira é cortada com 6 a 7 metros de comprimento, descascada e colocada para secar. Compõe-se, regularmente, de seis paus de piúba, podendo, às vezes, ser composto de cinco se o do meio for assaz grosso. Os dois paus do centro chamam-se meios, os dois imediatos bordos, e os dois últimos memburas. Os acessórios da jangada, de popa a proa, possuem terminologia pitoresca, como “banco de vela” (serve para sustentar o mastro grande e a vela); “carlinga” (tabuleta com furos embaixo do banco da vela, em que se prende o pé do mastro, mudando-se de um para outro conforme a conveniência da ocasião); “ligeira” (corda presa à ponta do mastro e nos espeques, para segurar aquele); “bicheira” (grande anzol preso num cacete, com que se puxa o peixe pescado para cima da jangada, a fim de não quebrar a linha); “araçanga” (cacete com que se mata o peixe pescado); “ipu” (arame com que é presa a linha ao anzol, para o peixe não cortá-la), e outros mais.
Até a década de 1950 havia no Nordeste um número maior de jangadas do que botes e lanchas a motor, mas a partir dessa década o número de jangadas e de jangadeiros começou a diminuir principalmente em virtude da dificuldade em se encontrar o pau-de-balsa (piúba) de que eram feitas jangadas. Nas décadas de 1960-1980 começam a surgir as jangadas feitas de tábua, que passam a substituir gradativamente as de pau. Hoje pode-se constatar que somente em alguns lugares, como no sul da Bahia, onde ainda se encontram áreas de mata nativa, encontra-se o pau-de-jangada.
Esses pescadores detêm um grande conhecimento da arte de navegação e identificação dos locais de pesca situados longe da costa pelo sistema de triangulação pelo qual linhas imaginárias são traçadas a partir de acidentes geográficos situados no continente.
As comunidades de jangadeiros sofrem hoje a concorrência dos pescadores de botes motorizados e também os impactos do turismo, principalmente o de residência secundária.
Em estados como o Ceará, mas de forma geral nos demais estados nordestinos, os jangadeiros vêm perdendo o acesso às praias, uma vez que suas posses nesses locais estão sendo compradas ou expropriadas pelos veranistas que aí constroem suas residências secundárias.
As atividades em terra são menos importantes que a pesca para comunidades de pescadores marítimos. No entanto, extraem dos coqueiros uma fonte complementar de renda, realizando também, algumas vezes, roças de mandioca, da qual extraem a farinha.
Além de representar uma importante atividade económica para as famílias que dependem da pesca, as jangadas e os jangadeiros são elementos culturais bastante importantes, pois são resquícios de uma tradição que foi muito forte no litoral do Nordeste e atualmente está em vias de extinção. Preservar esta cultura representa oferecer uma opção mais para os turistas que visitam a região.»
adaptação / transcrição das seguintes fontes:
FERNANDO KITZINGER DANNEMANN - Recanto das Letras
Ocareté
CASCUDO, Luís da Câmara - “Jangada; uma pesquisa etnográfica”
Extraordinária a história desta embarcação simples e antiga e das gentes que dela viveram durante tanto tempo. Note-se os elementos europeus na sua construção, como a carlinga e o banco de apoio ao mastro, o leme, a forqueta e acima de tudo, a âncora. A âncora é uma autêntica “poita” de duas armações, como se pode ver nesta última imagem, poita essa tão familiar na tradição poveira, galega, norte-europeia e do Báltico. É por estas e por outras que entender a génese dos barcos, é entender as andanças do homem. Tantos segredos guardam esses “pedaços de madeira”, os barcos.
Caro Senhor, parabéns pela matéria. Gostaria, entretanto, que dentro de suas possibilidades me enviasse via e-mail (ormuzsimonetti@yahoo.com.br) uma foto de jangada feita com toras de madeira. Caso contrario peço autorização para colocar a que ilustra essa matéria em um livro que estou para publicar denominado "A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS". É IMPRESSIONANTE COMO NÃO GUARDAMOS NOSSAS TRADIÇÕES. Ano passado fiz uma viagem da Praia da Pipa até Canoa Quebrada e não encontrei uma única jangada feita ainda com toras de piúba ou outra madeira qualquer. A modernidade tem causado um grande estrago na cultura e tradições dos povos que vivem nas praias do nordeste. Não consegui encontrar a jangada que procuro nem mesmo no Museu do jangadeiro em Fortaleza. Fui informado que encontrava-se fechado. É realmente uma vergonha!
ResponderExcluirAtenciosamente
ORMUZ BARBALHO SIMONETTI
VISITE O BLOG: www.ormuzsimonetti.blogspot.com
vai pra merdaaaaaaaaaaa
ResponderExcluirVai vc
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